02/09/2007

MATARAM A TUNA





MATARAM A TUNA

Manuel da Fonseca

Nos Domingos antigos do bibe e pião
saía a Tuna do Zé Jacinto
tangendo violas e bandolins
tocando a marcha Almadanim.

Abriam janelas meninas sorrindo
parava o comércio pelas portas
e os campaniços de vir à vila
tolhendo os passos escutando em grupo.
Moços da rua tinham pé leve.
o burro da nora da Quinta Nova
espetava orelhas apreensivo
Manuel da Água punha gravata!
Tudo mexia como acordado
ao som da marcha Almadanim
cantando a marcha Almadanim.

Quem não sabia aquilo de cor?
A gente cantava assobiava aquilo de cor...
(só a Marianita se enganava
ai só a Marianita se enganava
e eu matava-me a ensinar...)
que eu sabia de cor
inteirinha de cor
e para mim domingo não era domingo
era a marcha Almadanim!

Entanto as senhoras não gostavam
faziam troça dizendo coisas
e os senhores também não gostavam
faziam má cara para a Tuna:
- que era indecente aquela marcha
parecia até coisa de doidos:
não era música era raiva
aquela marcha Almadanim.

Mas Zé Jacinto não desistia.
Vinha domingo e a Tuna na rua
enchendo a rua enchendo as casas.
Voavam fitas coloridas
raspavam notas violentas
rasgava a Tuna o quebranto da vila
tangendo nas violas e bandolins
a heróica marcha Almadanim!

Meus companheiros antigos do bibe e pião
agora empregados no comércio
desenrolando fazenda medindo chita
agora sentados
dobrados nas secretarias do comércio.
cabeças pendidas jovens-velhinhos
escrevendo no Deve e Haver somando somando
na vila quieta
sem vida
sem nada
mais que o sossego das falas brandas...
- onde estão os domingos amarelos verdes azuis encarnados
vibrantes tangidos bandolins fitas violas gritos
da heróica marcha Almadanim?!

Ó meus amigos desgraçados
se a vida é curta e a morte infinita
despertemos e vamos
eia!
vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico
como era a Tuna do Zé Jacinto
tocando a marcha Almadanim!



"MANUEL da FONSECA (Natural do Alentejo -1911-1993)



Um dos principais autores do Neo – Realismo português. Em Lisboa se radicara desde a época dos estudos secundários, depois dos quais frequentou, por algum tempo, a Escola de Belas – Artes.
Destacou-se como poeta, contista e romancista. Publicou Rosa dos Ventos ( poesia, 1940), Planície ( poesia, 1941, na colecção Novo Cancioneiro, de Coimbra), Aldeia Nova (contos, 1942), Cerro – Maior (romance, 1943), O Fogo e as Cinzas (contos, 1951), Seara de Vento (romance, 1958), Poemas Completos (1958), Um Anjo no Trapézio (contos,1968), Templo de Solidão (contos, 1973), além de um volume de crónicas ( Crónicas Algarvias, 1986) e de uma Antologia de Fialho d´Almeida (1984). Reelaborou alguns de seus textos mais de uma vez, dando-lhes forma definitiva para a Obra Completa.
Exceptuando-se os dois últimos livros e contos, de ambiência lisboeta, trata-se de uma obra profundamente marcada pelo espaço físico e humano do Alentejo (…)
Em íntima relação com sua produção literária, Manuel da Fonseca desenvolveu uma intensa militância social, política e cultural, tendo chegado a ser preso em 1965, por ter integrado o júri que premiou Luanda, de José Luandino Vieira (…)

In: Biblos - Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua portuguesa – 1995"

2 comentários:

Isabel Santos disse...

Sinto-me honrada com a sua visita.Tem 3 blogs interessantissímos,logo que possa vou dedicar-me a cada um deles e tb fazer os meus comentários.
Alvito é muito importante para mim,aí nasceram os Amigos que hoje sáo famili,porque assim os considero,áí floresceu e se consilidou o meu amor,aí brincou o meu filho e aprendeu a amar a Ribeira,o Galaz(esse já não existe),a Vila...aí se foi casar.
ALVITO ( embora com costela Beirã)é o meu baú das minhas mais belas vivências.
Felicidades

jorge vicente disse...

Este poema é espectador, caro Lumife. Pleno de vida, de sangue e de carne.

Um hino à vida!

um abraço
jorge

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